Entrevista A Ana Catarina Rocha

Escreveu no instagram “A Pressão De Ter um Orgasmo Vaginal. “ De que forma é que a pressão sobre a mulher para ter orgasmo vaginal pode prejudicar o prazer da mulher, a exploração do prazer e o conhecimento de outros orgasmos? 

Vivemos numa sociedade em que o sexo é frequentemente reduzido a um acto centrado na penetração, criando invariavelmente esta ideia de que o orgasmo feminino só pode ser atingido dessa forma. Isto por si só já é um problema, porque a ênfase na penetração como a forma “principal” ou “adequada” de sexo reforça normas patriarcais que centralizam o prazer masculino, muitas vezes em detrimento do prazer feminino. Isso perpetua a desigualdade sexual e limita a compreensão da sexualidade feminina. Mas outros problemas surgem como: cria expectativas irrealistas sobre a nossa própria sexualidade e gera um constante estado de  ansiedade e frustração se não conseguimos atingir esse tipo específico de orgasmo; limita a exploração e o conhecimento dos corpos das mulheres e do que nos satisfaz sexualmente, pois existem tantas formas de prazer sexual, incluindo o clitóris, as mamas, e até mesmo o prazer não genital como o coreorgasmo que podemos obter durante o exercício físico; transforma o sexo numa experiência de desempenho, em vez de uma expressão de intimidade e conexão emocional.

Em suma, esta pressão prejudica não apenas o prazer sexual, mas também a nossa auto-estima, a nossa conexão com o nosso corpo e a capacidade de desfrutar plenamente a intimidade sexual. É importante educar, focar na comunicação, reconhecer e valorizar a diversidade de experiências sexuais, e entender que não há uma única maneira “certa” de experimentar prazer.

Escreveu no instagram “Se tivesse de escolher um órgão mais tabu teria de ser o clitóris.” Existe um enorme tabu sobre a clitóris e um total desconhecimento sobre a sua história. Que impacto é que pode ter este enorme desconhecimento e tabu na relação com o clitóris e com o prazer?

Isto vai de encontro à minha resposta anterior da problemática de limitarmos o sexo ao acto de penetração. As experiências sexuais estão muito centradas no prazer masculino e subvalorizamos as necessidades e desejos das mulheres.  O desconhecimento sobre o clitóris revela que há uma falta de educação sexual abrangente e precisa. Ao longo da vida, tanto o homem como a mulher não recebem informações correctas sobre a anatomia e a função do clitóris, o que resulta numa compreensão limitada de como alcançar o prazer sexual. E se as mulheres não entendem plenamente o seu próprio corpo, é mais difícil expressar aos seus parceiros o que lhes dá prazer.

Mais do que nunca, é essencial promover uma educação sexual que inclua informações detalhadas e precisas sobre o clitóris e o prazer feminino. Aumentar a conscientização e desmistificar o clitóris empodera as mulheres a explorar e valorizar o seu próprio prazer, melhorar a comunicação sexual com os parceiros, e promover uma abordagem mais equitativa e satisfatória da sexualidade.

Publicou no instagram “A primeira menstruação 🩸 não deve ser um drama.” De que forma é possível combater este drama? E de que forma este drama pode prejudicar e dificultar a vida de muitas meninas, jovens e mulheres?

Este é um tópico extenso e complexo, pois a solução não passa apenas pela educação dos adolescentes, mas também envolve pais, professores e outros intervenientes. Actualmente, a lei prevê que cada criança e jovem tenha um mínimo de horas de educação sexual em cada ano de escolaridade – 6 horas nos 1º e 2º ciclos e 12 horas no 3º ciclo e ensino secundário. No entanto, os tópicos abordados são muito superficiais e, muitas vezes, carecem de precisão factual. Por exemplo, os termos “vagina” e “vulva” ainda são frequentemente usados de forma intercambiável e incorrecta, e a menstruação é frequentemente explicada apenas como um processo relacionado à capacidade das meninas de terem bebés. Para mim, as aulas de educação sexual necessitam de uma reforma completa, com uma abordagem mais profunda e precisa dos processos biológicos, apresentando-os como funções normais do corpo humano. Deve igualmente integrar aspectos emocionais, psicológicos e sociais da saúde sexual e reprodutiva, abordando mitos e estigmas de forma aberta e informada. Desmistificar a menstruação e apresentá-la como uma parte natural da vida empodera meninas, jovens e mulheres. O “drama” e tabu que temos vindo a criar em torno da menstruação só gera vergonha e constrangimento, afectando a nossa auto-estima e a confiança enquanto mulheres. Além disso, constitui um problema de saúde, pois a compreensão inadequada do corpo e da saúde menstrual pode resultar em práticas inadequadas de higiene levando a infecções e desconforto físico por exemplo.

Escreveu no instagram “Porque É Que é Sempre O Espermatozóide A Levar O Crédito?” Como é possível combater o machismo que desvirtua até a realidade sobre a fecundação?

Excelente pergunta. Difícil de responder. Acho que neste tópico, mais do que educação sexual, temos de falar de educação científica. Na área da Biologia, em particular, é necessário um esforço por parte de professores (por exemplo) de retratar de uma maneira equilibrada os processos de ovulação, fecundação e desenvolvimento embrionário. A linguagem utilizada nos textos científicos e educacionais deve ser revista para garantir que não reforça a ideia de que o espermatozóide é o principal agente na fecundação. Devem ser produzidos conteúdos, como histórias e narrativas, que empoderem as mulheres e valorizem sua contribuição no processo reprodutivo.

Também sou a favor de aulas de Educação Cívica nas escolas, aulas essas que estimulem o pensamento crítico e fomentam discussões sobre igualdade de género com questões mais provocatórias como: de que forma o machismo afecta a ciência.

Talvez algumas pessoas, ao lerem isto, podem pensar: “Ai, que exagero! Será preciso isso tudo?”. Mas ficariam surpreendidas ao perceber como o vocabulário nos molda e altera a percepção de como vemos o mundo (de forma inconsciente) e como estas pequenas nuances perpetuam a desigualdade de género na sociedade. Acho que foi isso que eu quis transmitir de certa forma com esse post.

Publicou no instagram “Pode o Ómega-3 Ajudar A Diminuir A Dor Menstrual?” De que forma é que pode ajudar muitas mulheres a minimizar a dor menstrual?

O ómega-3 tem sido amplamente estudado quanto à sua acção anti-inflamatória e ao impacto positivo na saúde menstrual, proporcionando alívio a muitas mulheres que sofrem de dores menstruais. A dor menstrual, ou dismenorreia, é frequentemente causada pela produção excessiva de prostaglandinas, substâncias que promovem a inflamação e a contração uterina. Estudos sugerem que o ómega-3 pode ajudar a reduzir a produção de prostaglandinas inflamatórias, diminuindo assim a intensidade das contrações uterinas e, consequentemente, a dor.

Além de reduzir a produção de prostaglandinas, o ómega-3 também pode melhorar a circulação sanguínea e reduzir o inchaço, ambos factores que contribuem para o alívio das dores menstruais. Muitas mulheres que incorporaram o ómega-3 na sua dieta, seja através do consumo de peixes gordos como salmão, sardinha, cavala e atum, ou de sementes de linhaça, chia e nozes, ou ainda por meio de suplementação, relataram uma diminuição significativa da dor e desconforto associados ao ciclo menstrual.

 Refere no seu instagram que tem como premissa “Transformando a tua jornada menstrual.” O que falta trabalhar e mudar em relação à jornada menstrual, falar sem vergonha e acabar com o estigma?

Penso que para transformar verdadeiramente a jornada menstrual, há várias áreas que ainda precisam ser trabalhadas e mudadas.

Primeiro, precisamos de normalizar o tema. Noto que muitas mulheres ainda desconhecem aspectos básicos do ciclo menstrual e as suas implicações para a saúde em geral. Por isso, é crucial que a educação menstrual comece desde cedo, nas escolas, com informações precisas e desmistificadas sobre a menstruação.

Além disso, é necessário investir na saúde da mulher. Actualmente doenças como a endometriose, podem levar 8 a 10 anos a serem diagnosticadas. É necessário mobilizar mais fundos, tanto para estudos científicos que melhorem o entendimento dessas doenças, quanto para o desenvolvimento de soluções de diagnóstico e tratamento. Mais investimento é necessário para colmatar as actuais discrepâncias e melhorar a qualidade de vida das mulheres.

Aumentar a acessibilidade a produtos menstruais é outra medida essencial. Políticas públicas que garantam a distribuição gratuita ou subsidiada desses produtos são fundamentais para assegurar que todas as mulheres possam cuidar da sua saúde menstrual adequadamente. A falta de acesso a produtos de higiene menstrual não deve ser uma barreira para nenhuma mulher, independentemente da sua situação socio-económica.

Por fim, e como parte fundamental do trabalho que realizo, é essencial que a menstruação seja retratada de forma positiva e normalizada. Baseada em evidência científica pura, evidentemente, mas focando-me em demonstrar que o ciclo menstrual é algo que podemos usar a nosso favor. É um superpoder. Eu digo sempre: Só podemos partir de uma posição de força a partir do momento que aceitamos o modo como fomos concebidas. Isso está, a meu ver, intrinsecamente ligado à dinâmica do feminismo. Já entrevistei feministas que literalmente não querem saber do seu ciclo menstrual. E pergunto-me: Como é possível ser feminista e não aceitar um aspecto tão fundamental da nossa natureza? A aceitação do ciclo menstrual é o que nos diferencia dos homens e, paradoxalmente, é de onde deve partir essa aceitação. Reconhecer e celebrar as nossas diferenças biológicas não nos torna menos iguais; pelo contrário, fortalece a nossa luta por igualdade, pois nos empodera e nos permite reivindicar o nosso espaço com base na autenticidade e na compreensão plena de quem somos. É precisamente nessa mudança de percepções e na eliminação de tabus que concentro meu trabalho, promovendo uma visão mais integrada e empoderadora da feminilidade.

Refere que a partir da sua infeliz experiência com a pílula e a sua menstruação foi obrigada a parar de tomar a pílula e especializou-se em saúde menstrual. Como tem sido a sua jornada desde que se especializou e desde que está a ensinar saúde menstrual? De que forma é que a pílula pode ser prejudicial para a saúde da mulher? O que tem aprendido e o que a tem motivado desde que começou a estudar, a especializar-se e a trabalhar a saúde menstrual?

Primeiro de tudo, quero ressalvar que só porque tive uma experiência má com a pílula, não considero a pilula prejudicial para a saúde da mulher. A pílula por si só não é boa ou má; em certas situações é necessária e benéfica. O que é mau, e que marcou a minha experiência, foi a ignorância e a desinformação em relação ao que estava a tomar, agravado, na minha perspectiva, pelo facto de eu ser uma profissional de saúde. Isso é o que me motivou a procurar mais conhecimento e a compartilhar informações precisas e desmistificadas sobre a saúde menstrual.

Na realidade de hoje, muitas mulheres tomam a pílula ou usam outros contraceptivos hormonais sem terem uma ideia clara dos seus efeitos e implicações. Por isso, é fundamental que a liberdade de escolha seja respeitada, assegurando que todas as mulheres tenham acesso a informações claras e imparciais sobre os potenciais benefícios e riscos de cada opção contraceptiva. Cada mulher deve ter a liberdade de decidir o que é melhor para o seu corpo, mas essa escolha deve ser informada e consciente. 

Ao longo de todo este processo, aprendi a importância de conhecer o meu próprio corpo e a reconhecer os sinais que ele me dá. Descobri que ter um ciclo menstrual não é um incómodo, como muitas vezes é retratado, mas sim uma parte natural de mim. Posso dizer que sou a prova viva de que ter o ciclo menstrual não é uma “infelicidade”: tenho um ciclo super regular e sem sintomas que impactem a minha vida diária. Estou mais consciente sobre as fases do meu ciclo e isto ensinou-me a aceitar que é normal sentir-me de determinada forma em certos momentos. Isso tem sido libertador e empoderador. Através do meu trabalho em saúde menstrual, busco transmitir essa mesma consciência e aceitação a outras mulheres, para que possam conectar-se com os seus corpos e viver de forma mais plena e consciente, respeitando sempre a liberdade de escolha de cada uma.

Fundou durante a pandemia a empresa Inu Health | Uterus Tech focada no desenvolvimento de soluções para doenças crônicas em doenças menstruais como por exemplo endometriose. Que importância tem para si este trabalho na ajuda das mulheres com doenças menstruais?

É importante esclarecer que a endometriose não é uma doença menstrual, mas sim uma doença inflamatória relacionada com o endométrio. No entanto, é frequentemente associada ao ciclo menstrual devido aos seus sintomas que surgem durante o período menstrual.

O nosso foco na Inu Health é desenvolver soluções inovadoras para aliviar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida das mulheres afectadas por doenças como a endometriose. O nosso primeiro produto, uma app dedicada a mulheres com endometriose, está prestes a ser lançado e representa um passo importante nesta jornada.

Através da Inu Health, quero oferecer soluções concretas baseadas em evidências científicas sólidas. Esta abordagem permite-me contribuir para combater o estigma e a desinformação que ainda persistem em torno das doenças menstruais. Ao fornecer ferramentas e recursos úteis, pretendo capacitar as mulheres a compreender melhor o seu corpo e a gerir de forma mais eficaz as suas condições.

Para mim, esta empresa é mais do que um projecto profissional; é uma missão pessoal. Com muitos percalços pelo caminho, é certo, mas é a minha forma de dar ao mundo, de usar o meu conhecimento para fazer a diferença e de alcançar mais pessoas, oferecendo-lhes apoio e esperança. Ao dar voz a estas mulheres e trabalhar para melhorar a sua qualidade de vida, sinto que estou a cumprir o meu propósito e a contribuir para um futuro mais saudável e igualitário para todas.

https://www.instagram.com/inu.health/

https://www.instagram.com/ginasemfiltros/

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Vamos Falar de Sexualidade

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: Mar Velez

21 De Maio De 2024

O Projecto Vamos Falar de Sexualidade

É um projecto que visa promover pessoas especializadas nas mais diversas áreas da sexualidade. E poder retirar dúvidas através das respostas de todos vós que me seguem.

E este projecto requer tempo, atenção, investigação, e é onde dedico o meu tempo, para que todos possamos aprender e possa promover mais a sexualidade. Por isso gostaria que me pudessem ajudar. Se pudessem deixar um euro ou o que quisessem, ficaria muito grato.

Basta aceder ao seguinte endereço: https://www.paypal.com/paypalme/vidaseobras

Obrigado.

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