Entrevista a Flávia Glina

Emi Takahashi

Fez duas publicações no Instagram: “Vamos Falar Sobre Prazer” e “Prazer”. Tendo em conta ainda o enorme tabu, a enorme pressão, vergonha, desconhecimento do corpo, e da sexualidade, como é possível falar abertamente sobre prazer e obter mais prazer e de forma positiva?  

            Para falar mais abertamente sobre prazer, precisamos trazer naturalidade e informação para abordar o tema. O tabu, as pressões e expectativas, a vergonha e o desconhecimento do corpo e da sexualidade são consequências de crenças e contextos sociais. É através da informação e da educação que desmistificamos esses factores. A educação sexual é fundamental para uma sexualidade livre e para a vivência e obtenção do prazer de forma positiva.

Como psicóloga colaborou até 2019 no Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no Hospital das Clínicas. O que aprendeu ao trabalhar neste programa de estudos? 

            No ambulatório atendemos diversas demandas que englobam a sexualidade humana. Trabalhei com pacientes e grupos terapêuticos de disfunções sexuais, assim como demandas relacionadas à identidade de gênero e também transtornos parafílicos. Aprendi a ter empatia por essas pessoas e que todos merecem ser acolhidos e receber um tratamento. As dinâmicas em grupo são ferramentas extremamente interessantes e, além de inúmeros outros benefícios, traz aos integrantes do grupo uma sensação de pertencimento e menos solidão por se depararem com outras pessoas que têm os mesmos problemas que os seus ou similares. Também tive a oportunidade de aprender com alguns dos profissionais mais experientes e renomados da sexualidade humana no Brasil.

Faz parte do departamento LGBTQIA+ da ABEMSS. O que nos pode falar sobre o trabalho que tem desenvolvido no departamento LGBTQIA+ da ABEMSS. Que impacto é que tem tido nas pessoas LGBTQIA+?  

            Actualmente, por uma questão de agenda e fuso horário, não faço mais parte do departamento LGBTQIA+ da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual, porém ainda faz parte da associação e participo de diversos eventos. No entanto, a temática LGBTQIAPN+ faz parte de todo o meu percurso dentro da sexualidade humana. O facto de ter um departamento voltado para essas pessoas e suas possíveis demandas é de extrema importância para que essa população seja cada vez mais acolhida e que, nós, profissionais de saúde possamos oferecer cada vez mais um cuidado inclusivo e afirmativo. Mais uma vez a educação e a informação são fundamentais neste processo, pois há ainda muita ignorância e preconceitos voltados a essa população.

Na área de Terapia Sexual e Sexualidade dá aulas e cursos ministrados e tem feito apresentação de trabalhos nos últimos congressos da WAS (World Association for Sexual Health) e SLAMS (Sociedade Latino Americana de Medicina Sexual). Como é para si poder ensinar terapia sexual e sexualidade? 

            A sexualidade humana e a terapia sexual foram, para mim, um encontro comigo mesma. Desde o primeiro curso que fiz na área, a convite do professor Gerson Lopes, me encantei pela temática e decidi que aquele seria o percurso que eu iria trilhar dentro da psicologia. Para mim é uma honra poder disseminar informações e poder ajudar as pessoas, tanto na área acadêmica, quanto na área clínica a se permitirem buscar e viver uma sexualidade mais livre, com menos pressões e expectativas sociais.

Em 2020 participou no XV Congresso da Sociedade Latinoamericana de Medicina Sexual onde participou na mesa: “Meu parceiro é…”, e que foca as pessoas que se relacionam com indivíduos transgénero. Que importância teve para si participar no Congresso e abordar esta temática? 

            Participar de congressos é sempre maravilhoso. Conhecer e rever colegas que também actuam na área, mas principalmente é sempre um momento repleto de aprendizados. A sexualidade humana é uma área em constante evolução e desenvolvimento. Poder ver cada vez mais nos congressos e reuniões científicas as temáticas da população LGBTQIAPN+ serem abordadas é muito gratificante. Desta forma contribuímos para uma maior visibilidade, mais informação e buscamos oferecer um cuidado inclusivo e afirmativo para essas pessoas que ainda enfrentam muitos preconceitos e violências.

Participou em Março De 2024 no “Simpósio de Medicina Sexual 40 anos” da H. Ellis Instituto. Que importância tem para si ter participado neste simpósio?

            Este simpósio, além de uma importância profissional, para mim, foi também muito importante a nível pessoal. O Instituto H Ellis foi fundado, há 40 anos atrás e foi o primeiro instituto multiprofissional particular voltado para as disfunções sexuais. Um dos fundadores foi o Sidney Glina, urologista, que é, também, o meu pai (risos). Então, poder acompanhar e rever neste evento toda a sua trajectória e tudo o que ele já fez na área da sexualidade humana foi extremamente gratificante e motivo de muito orgulho. Foi um evento de alto nível científico e que trouxe temas diversos e de elevada importância.

Publicou no instagram“Vamos Falar Sobre Vulva”. Com a enorme pressão sobre a mulher, de como deve ser, vestir, estar, ter a vulva de certa forma. De que maneira é que esta pressão sobre as mulheres, até à vulva pode prejudicar a vida das mulheres, a sua relação com o corpo, a sua vulva, e com a sua sexualidade?

            Com certeza. Desde muito cedo as mulheres sofrem pressões e expectativas relacionadas ao seu corpo. E com a vulva não é diferente. Assim como há um “padrão” estético social para o corpo feminino do que é aceito, do que é bonito, o mesmo ocorre com a vulva. Isso tem um grande impacto na auto-estima e no bem-estar das mulheres, assim como consequências na própria sexualidade. Uma mulher que não conhece e não aceita o seu próprio corpo, também não consegue viver uma sexualidade mais livre e focada no seu prazer. Há sempre uma preocupação com o outro, com o que o outro vai achar, se irá achar o corpo bonito ou feio, a vulva bonita ou feia, se o cheiro da vulva é bom ou não, além da preocupação em conseguir dar prazer para o outro. É muito comum em pessoas com disfunções sexuais, não só mulheres, que o indivíduo não se preocupe muito com seu próprio prazer, mas sim com o prazer da parceria. Claro que é importante se preocupar com o outro, mas deve haver um equilíbrio para que uma relação sexual possa ser prazerosa para todos que fazem parte da mesma.

Celebrou no Instagram o 8 de Março, Dia Internacional da Mulher. Como Sexóloga e Terapeuta Sexual que importância tem para si o 8 de Março e a luta pelos direitos das mulheres? 

            Esta data representa a luta das mulheres por seus direitos e apesar de já termos percorrido um longo caminho e é possível ver mulheres ocupando novos espaços, há, ainda, um longo percurso. As mulheres continuam ganhando salários menores que seus colegas homens, continuam a suportar toda a carga mental da manutenção de um lar e de uma família e, como citado anteriormente, ainda sofrem uma pressão social estética extremamente exacerbada sobre o seu próprio corpo, assim como seus comportamentos. Desta forma, esta data é de suma importância para que esta luta continue e que não só as mulheres, mas que todos possam lutar por um mundo cada vez mais inclusivo e de direitos iguais para todos, assim como uma sexualidade vivida de forma mais livre e com mais prazer.

Publicou no instagram“Sexo: Só Vale Se Tiver Penetração?”. Em que medida uma sexualidade que não seja tão focada na penetração, pode melhorar a sexualidade e relação sexual?

            A relação sexual focada apenas na penetração costuma trazer toda a pressão daquela experiência para um único momento e isto pode gerar ansiedade, inseguranças, disfunções sexuais e muitas frustrações. É muito comum que se considere que houve sexo apenas quando há a penetração e esta acaba por ser uma visão muito restrita do que pode ser uma relação sexual. O que é tido por preliminares, como a masturbação, o sexo oral, também fazem parte de uma relação sexual e quando nomeadas desta forma – preliminares- fica subentendido que são práticas que devem ser realizadas antes de outra prática, no caso a penetração. Desta forma as relações se dão de forma extremamente roteirizada. Mas por quê não brincar com esta ordem? Uma relação sexual para ser vivida de forma prazerosa precisa de relaxamento. Quando há um roteiro a ser seguido, uma expectativa de performance a ser seguida, uma ordem de como/quando/quem deve chegar ao orgasmo e em que momento, a relação sexual fica extremamente tensa e o foco deixa de ser nas sensações físicas e no prazer. Muitas vezes as disfunções sexuais são também consequência disto. Desta forma, uma relação sexual que não seja focada em uma única prática e/ou um único momento pode ser extremamente mais prazerosa e trazer mais qualidade de vida sexual, assim como a descoberta de novas formas e zonas de prazer.

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Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Vamos Falar de Sexualidade

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: João Aristides Duarte

22 De Abril De 2024

O Projecto Vamos Falar de Sexualidade

É um projecto que visa promover pessoas especializadas nas mais diversas áreas da sexualidade. E poder retirar dúvidas através das respostas de todos vós que me seguem.

E este projecto requer tempo, atenção, investigação, e é onde dedico o meu tempo, para que todos possamos aprender e possa promover mais a sexualidade. Por isso gostaria que me pudessem ajudar. Se pudessem deixar um euro ou o que quisessem, ficaria muito grato.

Basta aceder ao seguinte endereço: https://www.paypal.com/paypalme/vidaseobras

Obrigado.

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