Entrevista A Íris Carvalho

Participou como autora no livro electrónico “O Poder Da Vulva, Prazer, O Auto-Conhecimento E Saúde Sexual” Como foi participar neste livro sobre a vulva, de que forma o poder da vulva e o auto-conhecimento da vulva podem ajudar a combater o tabu, a vergonha, o enorme desconhecimento da vulva?

A construção deste e-book foi um desafio que me deu muita satisfação. Escrevi-o em conjunto com colegas da Psiquiatria e da Nutrição, que também trabalham no Instituto Penque. É um livro que contém muita informação actualizada e exercícios práticos que poderão ser realizados à medida que a pessoa vai lendo.

Nós, mulheres, vamos ouvindo ao longo da vida mensagens de controlo sobre o nosso corpo: “fica mal uma mulher ter várias parcerias sexuais”, “o sexo é algo sujo”, “as vulvas são feias”, “a vagina tem de cheirar bem”, “não te podes vestir assim senão vais provocar homens”, “a nossa função é dar prazer aos homens”, etc. Uff… isto é cansativo. No entanto, a vulva é mesmo poderosa! A partir dela podemos fazer a nossa caminhada no sentido do auto-conhecimento sexual e fazer as pazes com estas vozes que, muitas vezes, ressoam internamente e que trazem muito sofrimento associado.

Na sua dissertação de Mestrado, estudou alguns Factores Psicológicos Que Influenciam O Orgasmo Feminino. O que aprendeu com o seu estudo?

O conhecimento científico relativamente ao orgasmo feminino revela-se pouco claro e integrado. A investigação sobre variáveis psicológicas e comportamentais sobre o orgasmo feminino têm vindo a merecer um maior foco para a compreensão do mesmo, o que permite perceber o que facilita e o que dificulta a experiência do orgasmo.

A minha dissertação focou-se em algumas variáveis psicológicas e comportamentais, nomeadamente, o distress sexual, o tipo de estimulação sexual, a satisfação sexual, a importância dada ao orgasmo, as crenças sexuais e a experiência afectiva activada em contexto sexual. Tivémos uma amostra valiosa, pois conseguimos que 923 mulheres (idades compreendidas entre os 18 e os 70 anos) respondessem ao questionário.

Quantos aos resultados, reforçámos a ideia que o envolvimento em actividades sexuais com foco no clitóris facilita a experiência do orgasmo. Para as mulheres cis, parece fundamental que o caminho para o orgasmo seja feito através da estimulação do clitóris (sexo oral, masturbação, penetração com estimulação adicional do clitóris).
Verificámos também que todas as outras variáveis acima mencionadas têm uma relação com a dificuldade em alcançar o orgasmo, o que nos revela que o psicológico tem um peso enorme quando falamos sobre dificuldades sexuais.

Em 2018, fez voluntariado na ACTIS- Universidade Sénior de Sintra onde leccionou a disciplina “Desmistificar A Sexualidade” Que importância teve para si leccionar esta disciplina na Universidade Sénior? Com o enorme tabu existente, de que forma é possível acabar com o tabu e vivenciar sem vergonha, culpa e de forma natural a sexualidade e a relação com o próprio corpo?

Fazer voluntariado numa Universidade Sénior foi uma experiência muito enriquecedora. Todas as semanas encontrava-me com a mesma turma pequena mas tão comprometida como eu em debater temas sobre a sexualidade. Lembro-me de ter muita vontade de ensinar tudo o que sabia, desde anatomia, menopausa e andropausa, até praticas sexuais seguras na idade avançada.

A educação sexual (por muito que se pense que só acontece em idade escolar) faz-se ao longo da vida, não é algo que acontece na juventude e fica estanque na nossa história. É sempre possível aprender mais, ou até mesmo ressignificar, a forma como nos relacionamos com os outros, os afectos, o nosso corpo e o nosso prazer. Fico sempre feliz por transmitir mais informação sobre sexualidade a outras pessoas.

No entanto, levo comigo aquilo que aprendi com as pessoas da turma, nomeadamente, entender como uma geração tão distante da minha foi vivendo a sua sexualidade ao longo dos anos (alguns deles em ditadura), das diferentes fases da vida, em diferentes contextos socioculturais, etc.

Escreveu no Instagram sobre o “Clitóris”. Ainda há muito desconhecimento deste verdadeiro órgão do prazer, e só muito tárdiamente foi descoberta e estudada. De que forma se deve dar mais importância ao clitóris e se deve conhecer melhor?

Não tenho dúvidas de que o conhecimento sobre clitóris é um caminho para a igualdade.

Em 2005, Helen O’Connell (urologista australiana) mapeou pela primeira vez a estrutura anatómica do clitóris, utilizando imagens de ressonância magnética. Antes disso, foi possível pisar a Lua, foi decifrado o genoma humano, foram criados telemóveis e havia internet. Actualmente, ainda existem livros de Medicina que perpetuam erros sobre a estrutura anatómica do clitóris, ou pior, nem a mencionam. Alguma coisa não está bem acerca disto.

É importante falar sobre o clitóris e difundir informação correcta. Se nós, pessoas com vulva, não temos conhecimento sobre a estrutura do nosso corpo que tem como única função dar-nos prazer, como podemos estar inteiras e conscientes daquilo que queremos durante a actividade sexual?
sensações que lhe dão mais prazer.

Acredito mesmo na frase “Informação é poder”. Neste caso, a informação é poder para sermos livres sexualmente, para podermos escolher ter melhor sexo e para podermos ter mais igualdade no sexo.

Está desde Julho de 2023 no Instituto Penque – Centro Clínico de Bem-Estar da Mulher. Como é para si trabalhar neste centro com foco no Bem-Estar da Mulher?

A equipa do Instituto Penque é de excelência, tenho muita sorte em poder fazer parte de um projecto totalmente focado na saúde da mulher. Somos uma equipa multidisciplinar e só assim faz sentido! Tenho acompanhado mulheres e casais (por vezes, homens também) com dificuldades sexuais, a par com a Medicina, Terapia de Casal, Fisioterapia Pélvica, Nutrição e Actividade Física. Temos realizado e-books, workshops e, nos passados dias 25 e 26 de Maio de 2024, organizámos o nosso primeiro Congresso de Saúde Integral da Mulher.
No Instituto Penque, queremos questionar o que é ser-se Mulher e dar tempo e espaço para o debate aberto, descomplicado e sem tabus, sobre questões de género, com a tónica nas suas diferenças, que devem ser abraçadas e vivenciadas em total conexão e equilíbrio com a vida familiar, laboral e social.

Escreveu no Instagram “Os 5 sentidos e o prazer ️” De que forma é que, vivendo e experienciando o prazer através dos 5 sentidos para além das zonas erógenas como as mamas, a vulva, o pénis, pode melhorar e aumentar o prazer?

Quando pensamos em prazer sexual, geralmente pensamos instantaneamente em órgãos genitais, mamas, mamilos e glúteos como zonas erógenas típicas, mas podemos sentir prazer através de outras partes do nosso corpo e de formas diferentes a que estamos acostumados.

Explorar o prazer através dos cinco sentidos – visão, audição, olfacto, paladar e tacto – para além das zonas erógenas típicas pode enriquecer e intensificar a experiência sexual. Acredito que a actividade sexual é uma experiência altamente sensorial e que cada sentido pode acrescentar uma dimensão única ao prazer e erotismo.

Para muitas pessoas e durante muitos anos, a actividade sexual resume-se à fricção de genitais – quão aborrecido isto poderá ser? Enquanto humanos, exploramos o mundo através dos sentidos e não é diferente em relação ao sexo, no entanto, raramente lembramo-nos desta premissa.

Escreveu no Instagram “Orgasmo Gap Discrepância De Orgasmos.” Como é possível acabar com estas discrepâncias e de que forma a culpa imposta à mulher no que toca aos orgasmos e ao prazer e a cultura coito cêntrica podem impedir a igualdade e vivenciar o orgasmo de forma positiva?

O termo “orgasmo gap” é usado principalmente para nos referirmos à discrepância nas taxas de orgasmos entre homens e mulheres.

Na nossa sociedade ainda está enraizada a noção errónea e simplista de que o sexo heterossexual é apenas o coito. A priorização do coito é perpetuada na educação sexual nas escolas, na nossa linguagem e nos media. Acho que podemos começar por aí: difundindo conhecimento, representatividade e expressão de sexualidades na forma como abordamos o sexo.

Outra coisa muito pouco útil, por sinal, é que utilizamos as palavras sexo e coito como se fossem sinónimos e consideramos tudo o que vem antes como “preliminares”, implicando que é uma forma inferior de actividade sexual comparada com a penetração.

Ora, os beijos, as caricias, o roçar o corpo um no outro, fantasiar, o sexo oral, a masturbação, não são extremamente importantes para as pessoas se sentirem engajadas no sexo? Parece importante começarmos a dar o mesmo peso a todas as actividades com intenção sexual.

https://www.iriscarvalho.com/

https://www.instagram.com/sexohlogia

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Vamos Falar de Sexualidade
Entrevista: Pedro Marques
Correcção: Mar Velez
12 De Junho De 2024

O Projecto Vamos Falar de Sexualidade

É um projecto que visa promover pessoas especializadas nas mais diversas áreas da sexualidade. E poder retirar dúvidas através das respostas de todos vós que me seguem.

E este projecto requer tempo, atenção, investigação, e é onde dedico o meu tempo, para que todos possamos aprender e possa promover mais a sexualidade. Por isso gostaria que me pudessem ajudar. Se pudessem deixar um euro ou o que quisessem, ficaria muito grato.

Basta aceder ao seguinte endereço: https://www.paypal.com/paypalme/vidaseobras

Obrigado.

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