Entrevista a Marta Cristo

1 – Fez um vídeo com algumas amigas com a premissa de “Vamos desconstruir a sexualidade e o orgasmo juntos 🧠💕” De que forma pode ajudar a ter uma melhor sexualidade e ter melhor relação com o orgasmo?

Se pensarmos que a saúde sexual é um componente essencial da definição de saúde e que mesmo assim continua a ser um tema tabu da sociedade também conseguimos perceber que estamos a pôr de parte algo que faz parte do nosso ser e do nosso íntimo. Como fisioterapeuta pélvica, a intervenção nesta valência vai de encontro com a optimização da função do pavimento pélvico, desde o treino da musculatura do pavimento pélvico, à mobilidade corporal, à diminuição de tensão, à diminuição da dor, entre outros, aliando sempre a educação no processo terapêutico. O poder falar sobre a consciencialização e visualização do nosso corpo, muitas vezes ignorado desde os nossos tempos de escola, torna-se importante para promover o auto-conhecimento do corpo, da função corporal e de todos os elementos que levam ao prazer, à excitação e, consequentemente, ao orgasmo. É cada vez mais necessário questionarmos os nossos utentes acerca da sua vida sexual individual e/ou com @ companheir@, sem sexualizarmos o tema, de forma a conseguirmos transmitir informações importantes e pertinentes, assim como desconstruirmos mitos que a própria sociedade foi criando. O próprio orgasmo ainda é um “ser mítico” que tem de ser desconstruído com o objetivo de se perceber que não é nem um “pecado”, nem uma “obrigação” aquando dos momentos de intimidade. Na sexualidade, a desinformação promove crenças irrealistas pelo que a informação/educação é uma grande ferramenta. A fisioterapia pélvica, para além do trabalho físico, ajuda a combater essa desinformação tão presente em revistas, redes sociais e até no boca-a-boca com os nossos pares. Não nos podemos esquecer que cada um terá experiências diferentes, e é necessário haver uma adaptação a essas diferentes necessidades e objectivos.

2 – Publicou no Reels do Instagram: “O Dia em que 17 mulheres se juntaram para discutir sobre saúde pélvica e sexual masculina” Como foi participar neste evento?

Foi uma tarde extremamente agradável! Apesar da saúde da Mulher ser um tema em voga e que chama cada vez mais à atenção, a fisioterapia pélvica não pode, nem deve, descurar a saúde do Homem, que também engloba funções musculo-esqueléticas, urinárias e sexuais. Também os homens poderão sofrer com obstipação, incontinência urinária e/ou defecatória, disfunção eréctil, dor pélvica crónica, aumento de tensão na musculatura do pavimento pélvico, etc… E se falar de assuntos relacionados com a sexualidade das mulheres já é um tabu, imaginem o “elefante na sala” que se cria acerca dos homens. As suas disfunções não devem ser ignoradas e devemos demonstrar-lhes o direito de se poderem expressar sem dificuldade ou julgamento, de pedirem ajuda sem medo e, acima de tudo, o direito de melhorarem a sua condição e qualidade de vida. Poder compartilhar com mais 16 mulheres informações essenciais para a criação de um processo terapêutico, desde o diagnóstico à intervenção, fez-me reflectir acerca das diferentes abordagens da fisioterapia no homem e como podemos ajustar as técnicas que usamos na mulher, utilizando os mesmos valores de base. Aprendi muito com a Dra. Maria José Freire, uma referência na Medicina nos ramos de Urologia e Sexualidade, e com as minhas colegas, incansáveis com a sua partilha de experiências.

         3 – Publicou no Instagram: “8 De Março Dia Internacional Da Mulher”. Ainda existe uma enorme desigualdade de género, e ainda é incutido que a mulher não tenha prazer e sexualidade. De que forma é possível combater isso para que se possa viver livremente e ter uma sexualidade plena?

            Gostaria de começar por esclarecer que o prazer é uma das vertentes da sexualidade. Segundo a Organização Mundial de Saúde (2006), a Sexualidade é um aspecto central do ser humano que envolve a identidade de género, a orientação sexual, as relações sexuais, o prazer, o erotismo, a intimidade e a reprodução e que é influenciada e condicionada por factores biológicos, psicológicos, sociais, económicos, políticos, culturais, legais, entre tantos outros. A desigualdade de género ainda vigente é influenciada por múltiplas variáveis (também estas sociais, económicas, políticas …), das quais destaco duas fortemente relacionadas com a sexualidade. A primeira é o contínuo crescimento da indústria da pornografia, que ainda tem como foco central o prazer do homem e que nem sempre passa uma imagem que espelha a realidade acerca da intimidade, relações sexuais e orgasmo (principalmente do feminino). Outro pilar, que apesar de existente, me parece mal desenvolvido, é a educação sexual, introduzida no 1º ciclo, mas raramente leccionada por inteiro. Se a mesma acontece, tende-se a explorar o tema de forma a que os jovens achem incorrecto explorarem a sua intimidade, ao invés de a aceitarem como normal e o fazerem estando informados e seguros. A falta de informação ou a criação da ideia de “perigo” leva muitas vezes ao velho ditado de “o fruto proibido é o mais apetecido”. Correndo o risco de me tornar repetitiva, penso que a educação acerca desta temática é cada vez mais essencial, pois se todos percebermos aquilo a que nos referimos, tratarmos as “coisas pelos nomes”, aceitarmos que todos temos direito à nossa sexualidade e respeitarmos as escolhas dos nossos pares acerca da mesma, acredito que teremos uma sociedade que vive livre e plenamente a sua sexualidade. Reforço mais uma vez que falar sobre sexualidade não é apenas falar sobre sexo, mas também sobre o desenvolvimento corporal, menstruação, reprodução, doenças sexualmente transmissíveis e sobre o funcionamento do nosso corpo no global.

4 – Publicou no Instagram: “Sabias Que – Vulva Vs. Vagina”. Nesta publicação fala sobre existir ainda muita confusão entre ambos. Que impacto pode ter esta confusão na saúde sexual, na sexualidade e na relação com o corpo? Como é possível mudar esta ignorância e desconhecimento sobre a vulva e a vagina?

            Inicio por ir directa à primeira pergunta. Do meu ponto de vista, esta confusão não irá impactar de forma directa a saúde sexual, no entanto, poderá demonstrar o quão as definições mais simples são ignoradas no processo de aprendizagem da sexualidade. Sabermos identificar as partes do nosso corpo e chamá-las pelo seu nome correcto é algo que deve ser passado de pais para filhos, de professores para alunos e até mesmo entre conversas de amigos, sem qualquer tabu ou vergonha. A vulva e a vagina são estruturas diferentes, inclusive com funções diferentes e, por isso, devem ser distinguidas como tal, o que facilitará a compreensão e comunicação entre as pessoas. Além disso, permite que cada uma identifique essas regiões no seu corpo, facilita a sua visualização e exploração, o que leva, consequentemente, a um maior auto-conhecimento e empoderamento da mulher. Para mim a mudança desta ignorância tem solução simples (não fácil)… É a comunicação entre os pares, quer seja em contexto escolar, em casa, através das redes sociais, livros, documentários, entre outros. Se todos deixarmos de lado as palavras alternativas e deixarmos de considerar tudo a mesma coisa iremos disseminar informações correctas, deixamos de alimentar um tabu e transformamo-nos numa sociedade com literacia em saúde. No sentido de promover essa mesma literacia deixo, em seguida, as definições de vulva e vagina.

à Vulva – Região externa dos genitais femininos que inclui os pequenos lábios, grandes lábios, clitóris, monte púbico, abertura da uretra, abertura da vagina, …

à Vagina – Canal interno que faz a ligação entre a vulva, o cérvix e o útero. Permite a passagem e armazenamento do esperma, libertação da menstruação e passagem dos bebés durante o trabalho de parto.

5 – Escreveu no Instagram: “1-31 Outubro Rosa. Mês Prevenção Cancro Da Mama.” Ainda é um tema muito delicado e tabu. Que importância tem a prevenção e sensibilização, durante o Outubro Rosa e durante todo o ano?

            O Cancro da Mama é, neste momento, o cancro com maior incidência conhecida na população de mulheres portuguesas, o que em parte se deve ao aumento de campanhas de sensibilização e ao aumento da preocupação das mulheres na realização de rastreios. Os mesmos têm permitido um aumento da taxa de diagnósticos precoces que contribuem, aliados com a medicina moderna, para um prognóstico mais favorável desta patologia. Apesar deste aumento, nunca é suficiente sensibilizar a população para a realização da avaliação, quer por visualização, quer por palpação da mama, além de, em conjunto, recordar os possíveis sinais e sintomas que possam indicar a presença de alguma alteração. Alguns destes são o espessamento da mama, o aumento da sensibilidade no mamilo, a existência de reentrâncias ou a alteração do formato da mama, a retração, ou até mesmo perda de líquido pelo mamilo. Apesar do mês de Outubro ser considerado, desde a década de 90, o mês da prevenção contra o cancro da mama, devemos ter em consideração que os casos surgem durante todo o ano e, por isso, devemos manter este alerta na sociedade. Prevenir o desenvolvimento do cancro através da identificação de alguns sinais e sintomas e da auto-avaliação poderá facilitar, em grande escala, a intervenção contra a doença e, por consequência, aumentar o número de sobreviventes. Este tema e problema, apesar de ainda delicado, tem vindo a ser desconstruído no âmbito de chegar a toda a população, no entanto, ainda há um longo caminho a percorrer, principalmente quando falamos sobre populações do interior do país e comunidades com menor literacia em saúde. Se, porventura, quiserem saber mais sobre esta condição deixo, em seguida, o link da Liga Portuguesa contra o Cancro, onde poderão descobrir mais informações acerca do rastreio, do cancro, e até mesmo de movimentos e grupos de apoio para indivíduos com este diagnóstico.

https://www.ligacontracancro.pt/outubrorosa/

6 – Escreveu no Instagram: “Dia Nacional Da Endometriose E Adenomiose, 1 De Março”. Penso que tenha escrito em forma de celebração e de alerta. Ainda há muitas mulheres que sofrem com esta doença, tendo vários diagnósticos incorrectos? Que impacto tem na vida da mulher e na sua sexualidade? De que forma é possível mudar este paradigma?

            Sim, de facto a publicação foi feita no sentido de recordar esta doença que ainda hodiernamente é subdiagnosticada. Sabemos, segundo a Organização Mundial de Saúde, que 10% das mulheres em período reprodutivo sofrem com Endometriose, uma doença inflamatória crónica que é causa de sinais e sintomas de dor, principalmente na região abdomino-lombo-pélvica, devido à criação de tecido cicatricial e tecido do endométrio, fora do útero. Esta dor é, por vezes, muito incapacitante e afecta a realização das actividades da vida diária da mulher. Além disso, as dores costumam agravar no período menstrual e podem aparecer durante as relações sexuais, o que irá afectar a capacidade da mulher se sentir bem não só durante o seu dia-a-dia de trabalho, mas também em momentos de maior prazer e intimidade. O facto destas mulheres passarem muito tempo sem diagnóstico e, muitas vezes, ouvirem frases como “é tudo da sua cabeça”, por parte de alguns profissionais de saúde, faz com que muitas delas passem anos com diagnósticos de depressão e ansiedade, sem saberem como gerir a sintomatologia que as afecta. Além da dor, muitas mulheres sofrem com náuseas, inchaço, fadiga e até dificuldade em engravidar. Estas disfunções causam, em algumas, alteração da imagem corporal e sensação de frustração, o que poderá também afectar os momentos de intimidade, quer por dor, quer por falta de confiança com o seu próprio corpo. Sabendo que a Endometriose não tem cura, penso que a melhor “solução” para a mudança deste paradigma inicia com um diagnóstico mais precoce por parte dos profissionais de saúde, que deverão apurar várias hipóteses para esta condição multi-factorial. Além disso é essencial um trabalho multidisciplinar com estas mulheres, desde a fisioterapia pélvica, à nutrição, à psicologia e à ginecologia, para um acompanhamento próximo que permita a gestão de todos estes sinais e sintomas e promova, por consequência, um aumento da qualidade de vida das mesmas, incluindo no parâmetro da sexualidade individual e com os pares.

7 – Está inserida no Projecto: “Pelvic Care 4 All“, projecto este que partiu de um grupo de mulheres com vontade de ajudar a “comunidade de saúde pélvica”, quer seja através da via clínica, ou académica. Que importância tem para si estar inserida neste projecto e poder proporcionar cuidados de saúde pélvica?

            Para mim, além de ser um gosto trabalhar com tantas mulheres deste ramo da saúde, com os mesmos objectivos de espalhar saúde e literacia, é um orgulho ajudar na criação de projectos que ajudarão não só estudantes a tornarem-se melhores na sua prática, como ajudar a dar resposta às listas de espera do Serviço Nacional de Saúde, fazendo chegar a saúde pélvica a cada vez mais mulheres. Com este projecto conseguimos aliar o desenvolvimento do conhecimento com a directa prática da fisioterapia. Proporcionar cuidados de saúde pélvica nunca será só melhorar a qualidade de vida, nunca será só ajudar na melhoria de incontinências urinárias, prolapsos dos órgãos pélvicos, disfunções sexuais, entre outros… Proporcionar cuidados de saúde pélvica trata-se de empatia, auto-conhecimento, educação, segurança, partilha e, acima de tudo, de COMUNIDADE.

https://www.instagram.com/marta.ft.cristo/

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

Vamos Falar de Sexualidade

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: João Moreira

10 De Junho De 2024

O Projecto Vamos Falar de Sexualidade

É um projecto que visa promover pessoas especializadas nas mais diversas áreas da sexualidade. E poder retirar dúvidas através das respostas de todos vós que me seguem.

E este projecto requer tempo, atenção, investigação, e é onde dedico o meu tempo, para que todos possamos aprender e possa promover mais a sexualidade. Por isso gostaria que me pudessem ajudar. Se pudessem deixar um euro ou o que quisessem, ficaria muito grato.

Basta aceder ao seguinte endereço: https://www.paypal.com/paypalme/vidaseobras

Obrigado.

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