Entrevista A Ann Antidote

Exibiste filmes nestes festivais https://athenspff.com/2022-2/ https://pornfilmfestivalberlin.de/ (acrescento meu: Excêntrico Chile https://excentricofest.com) conteúdo pós-porno e feminista e tens colocado os teus filmes na PinkLabel. Que importância tem para ti fazeres porno feminista, queer e a sexualidade positiva?

Obrigada, Pedro, por esta entrevista. E por esta pergunta exactamente.

Começo por distinguir o porno mainstream do porno feminista ou do pós-porno. Temos há bastantes anos, décadas mesmo, um tipo de pornografia, o pós-porno, que incorpora consentimento e práticas éticas e que se distância da exploração ou mesmo abusos que muitas vezes, vezes demais, há na pornografia mainstream. O pós-porno procura transcender a visão ultra-redutora dos papéis de género geralmente apresentados de maneira nada emancipada nem igualitária na pornografia clássica. E finalmente, procura-se incluir temáticas interseccionais, como a representação e representatividade de pessoas geralmente oprimidas ou não representadas, à frente e atrás da câmara: pessoas de cor, pessoas trans e não binárias, pessoas gordas, menos jovens, com deficiência, não neuro-típicas, etc etc. Pois todos estes corpos e grupos são capazes e merecedores de afecto, amor, sexualidade, e atracção, e isso pode e deve ser filmado, representado e celebrado. Isto tudo para eu dizer que faço pós-porno, e para me distanciar da representação tradicional da pornografia.

Costumo dizer que sou uma pornografa acidental. Fiz muitos formatos de arte, pura e simples: filmes, performances, instalação, música, todos eles com temas muitas vezes políticos, não necessariamente pornográficos, mas com algumas componentes físicas mais dominantes ou explicitas. Com a restrição constante de conteúdo quer na internet quer com a censura e auto-censura (por vezes calculista, por uma questão de redução de riscos) de curadores e galerias a qualquer coisinha que tenha minimamente a ver com sexualidade ou desvios da norma, a dada altura senti um certo cansaço de lutar contra a corrente de recusas e comecei a dar mais atenção ao pós-porno no meu trabalho, mas senti-me um pouco empurrada para isso: Como artista tive sempre muitas dificuldades em mostrar o meu trabalho não porno mas um pouco explicito: por ex., tive galerias a não quererem uma performance minha com medo de perder o financiamento institucional, ou colegas artistas a assinarem subitamente com um pseudónimo (apenas) em colaborações comigo, com receio de ficarem associados a uma coisa “risquée” e perderem a boa reputação e o acesso ao suporte institucional. De maneira que me fui sentido cada vez mais à vontade no pós-porno, pois permitiu me não ter restrições de conteúdo e continuar a poder exprimir-me artística e politicamente. O pós-porno é um género que não só não restringe nudez e conteúdo explicito, mas que também permite uma enorme liberdade artística, estética e política, onde por exemplo, o DIY é aceite e apreciado – o que o torna acessível a leigos e pessoas sem grandes meios ou financiamento – ou é normal aparecerem filmes surrealistas, experimentais, etc. E como por enquanto é um movimento bastante marginal e relativamente pequeno, tem ainda uma cultura bastante acolhedora, divertida, colaborativa, mais segura e simpática. Por isso o tal empurrão que senti relutantemente para começar a fazer mais pós-porno tornou-se a dada altura um mergulho entusiástico da minha parte. Finalmente, porno e arte não se excluem mutuamente, tenho imenso espaço. Mas claro que a partir do momento em que vestes a camisola porno, há sítios e contextos que deixam de querer ter o teu trabalho e pessoas que deixam de querer trabalhar contigo.

Finalmente, à medida que os anos passam, sinto o idadismo inerente a todos os sectores da sociedade a infiltrar-se na minha capacidade de mostrar o meu trabalho com arte. E outros ismos também. Sinto muito menos isso no pós-porno. Há idadismo (e os tais outros ismos) no pós-porno como em todo o lado, mas bastante menos, e as pessoas – não todas mas uma maioria – estão dispostas a trabalhar nos seus preconceitos e estruturas de exclusão quando eles aparecem, até pela própria definição de pós-porno. É esse trabalho de casa de inclusão que faz o pós-porno o que é. Trabalho com pessoas de várias idades, quer elas nos meus projectos ou eu nos delas ou projectos colectivos sem hierarquias.

Para terminar, gosto muito de trabalhar com a PinkLabel porque têm e aplicam com coerência valores feministas e interseccionais, e são muito transparentes na maneira de trabalhar com os artistas, e pagam a tempo e horas. Fazem também um trabalho de levantamento de arquivo histórico exemplar. É com muito orgulho e alegria que tenho o meu trabalho nessa plataforma, juntamente com os grandes clássicos de várias décadas pornografia queer e feminista. Aconselho a PinkLabel quer a quem queira ver filmes e saber que o seu dinheiro é usado para pagar as pessoas que trabalharam nos filmes ou os queira distribuir em condições justas e com outros bons filmes por companhia.

Dito isto, continuo sempre interessada em projectos pós-porno ou não, principalmente em colaborações com outras pessoas e projectos. Se estás a ler isto e sentes que podes ser tu, escreve-me.

Vais promover estas duas oficinas sobre Rope || Bondage private sessions || The Glitter un-Dojo || Berlin 29.Nov.2022 || Workshop, Rope || Shibari, aka Japanese Rope Bondage || Other Nature, alternative sex-shop and gallery || Berlin. Em que medida estas oficinas podem ser importantes para conhecer esta prática, quer pelos cuidados a ter, quer pelo conhecimento da prática BDSM?

Pequena explicação para dar contexto: As oficinas no Glitter UnDojo são simplesmente as oficinas regulares (várias por mês) na minha casa. Pois decidi quando comecei a ensinar shibari em 2010 que queria que os workshops fossem financeiramente acessíveis a pessoas de todas as bolsas (E não apenas, como habitualmente os espaços de bondage ou BDSM são, a pessoas desafogadas). Com isso, eu não podia pagar por uma sala ou um estúdio de dança pois iria empurrar os preços para cima. Sendo assim, ensino na minha própria casa, e geralmente conheço pessoalmente todas as pessoas que vêm, porque quero ter um espaço mais seguro e realmente inclusivo para quem participa (sem discriminações, com as pessoas a tentarem terem consciência do espaço e privilégio que ocupam etc.). A Other Nature é uma sex-shop queer-feminista e vegana (e é uma cooperativa, gerida colectivamente e sem hierarquias), e com isso estamos alinhades nas questões de acessibilidade, consentimento e de tornar o espaço mais seguro e inclusivo, principalmente para grupos e pessoas – queer e outres – que geralmente não têm acesso ou não se sentem bem em espaços mainstream.

Tal como disseste na pergunta, ensino e trabalho com bondage desde 2010 e ensino regularmente desde 2011. Ensino o que muita gente ensina: Muita técnica, segurança, algumas noções de anatomia se for preciso, tácticas e estratégias para tornar a prática natural e fluida para todas as partes envolvidas, truques para improvisar, e tornar o difícil fácil. A bondage pode ser perigosa ou desnecessariamente dolorosa se não for feita de dadas maneiras, e há muita coisa para ensinar para contornar isto. Insisto muito na questão da comunicação e do consentimento, primeiro porque é essencial a tudo, e segundo porque a cena de bondage está cheia de histórias de sexismo, de abuso e de falta de accountability. Cabe a toda a comunidade, queer ou não, identificar e desmontar os mecanismos de toxicidade e maus hábitos que fazem com que isto aconteça e criarmos uma cena mais segura para toda a gente.

O que ensino para além disso, e penso que torna as minhas oficinas bastante originais, e é a sua grande força (mas espero que comece a haver mais gente a fazer o mesmo ou parecido) é o insistir na acessibilidade e inclusão. Estou a pensar fazer uma zine acerca disto (outra maneira de dizer que esta seria uma resposta muito comprida se eu abrisse o guardanapo), mas vou tentar resumir. Primeiro, o que já mencionei acerca de fazer espaço explicitamente para grupos que geralmente são minoritários e oprimidos na sociedade. Por ex. não queremos comentários ou comportamentos sexistas ou homofóbicos, ou por ex. ou restringimos o uso de perfumes e luzes fortes para acomodar pessoas com sensibilidades sensoriais, ou temos uma sliding scale para acomodar pessoas com poucos meios. Segundo, dou as oficinas geralmente em equipa com Lun Ário, anunciadas “para todos os níveis”. Cada pessoa decide o que quer aprender e quando e a que velocidade, por isso damos atenção diferencial e exercícios diferentes a cada pessoa (e não dividimos por níveis: quem quer aprender temas avançados e específicos vem para uma masterclass dedicada em privado). Terceiro, eliminamos a ideia capitalista de que eficiência e rapidez são coisas fixes: não são, o que é fixe é a solidariedade e sentirmo-nos seguros a aprender e a viver. E se nos sentimos seguros, aprendemos mais. Há pessoas mais lentas do que outras (e isso é perfeitamente ok, e nem devíamos estar a explicar isto). Insisto que há que fazer espaço para toda a gente poder aprender e fazer experiências com calma, sem por as pessoas mais lentas sob pressão. Quarto, o shibari adapta-se à pessoa e não a pessoa ao shibari. Há coisas que não são para todos os corpos, gostos ou sensibilidades. Quem não percebeu isto, e não adapta o que ensina a quem está à sua frente não esta a fazer ou ensinar shibari por causa das pessoas mas por outra agenda qualquer, e quase nunca é uma agenda muito boa. Finalmente, quinto, há que perceber que cada pessoa – e não eu, nem nenhum mestre real ou imaginário que supostamente decidiu o que é que é “verdadeiro shibari” ou não – é soberana da sua realidade e decide acerca do significa para si segurança, estética, conforto e objectivo. O shibari é, ou pode ser, ou deve ser, uma coisa pessoal, personalizada e orgânica.

Insisto em ensinar desta maneira e por isso estou contente em trabalhar em espaços como a Other Nature ou outros espaços queer-feministas ou alternativos. Vou por exemplo ensinar em Bremen numa galeria – Raum 404 – que também faz feiras de zines e outros produtos subculturais e alternativos. Espero poder contribuir para a uma comunidade shibari mais segura, mais acolhedora e muito menos tóxica: a comunidade em que me divirto a fazer cordas, a experimentar, a aprender, por vezes a falhar, e onde estão os meus amigos.

Se isto que escrevi ressoa contigo e souberes de um espaço que me possa acolher mais os meus workshops, por favor escreve-me.

Em 2021 estiveste a ensinar Polyamory and longevity. Como foi para ti ensinar sobre poliamor e a sua longevidade? Como pode ser a descoberta do poliamor, das relações não-monogâmicas?

Esta resposta tem pano para mangas. Em criança já me interessava por o que aparecia em livros e revistas como “amor livre” e comunas. Não, essas coisas não são necessariamente poliamor, mas abriram a fresta da ideia de consentimento e de quebrar a monogamia. Já em adolescente pareceu-me ser não só uma coisa interessante de experimentar mas simplesmente ser a única coisa lógica a fazer se uma pessoa vive de acordo com o principio de que coisas como a verdade, a responsabilidade, a prática ética e o consentimento, o respeito por si e por outros, são mais importantes do que a posse, a tradição e a monogamia. Tive a sorte de ter uma relação que completa agora 30 anos, em que pudémos aprender e discutir e falhar em equipa acerca disto. Gosto muito de dizer (aos cépticos) “São 30 anos de ‘o poliamor não funciona a longo prazo’” e esperar pela resposta, que geralmente não vem de todo. Nos anos 90 a incipiente Internet, na altura um espaço mais inocente e nada comercial, tinha recursos generosos escritos directamente pelas pessoas com as vivências (por exemplo o alt.poly, e o soc.bi) e ensinou-nos os termos e algumas possibilidades (Hoje em dia há muita informação na internet, mas quase sempre há uma intenção comercial por detrás, desde tentarem vender-nos um serviço, ou publicidade até ao clickbait). Tive muitas experiências lindas e muitos encontros, frustrações, dores e crescimento, e não quero viver de outra maneira.

Hoje em dia uso pouco a palavra poliamor porque nem sempre há boas associações a essa palavra ou movimento, e a palavra tem significados diferentes em vários contextos, o que me deixa pouco á vontade. Seja que nome se use, é um modo de vida com desafios próprios e sem modelos de referência, quer na vida real ou na produção cultural e que por isso necessita de muita rede de apoio. Nos anos 2000 dinamizei vários grupos de discussão e divulgação, em Munique e no Porto. Em 2006 dinamizei também o poly-Portugal (juntamente com outros, foi um trabalho de equipa muito belo, pelo menos no princípio) e levei-o como sua representante ao grupo fundador e organizador da primeira Marcha do Orgulho LGBT do Porto em 2006. Fiz um filme em 2010 sobre um encontro anual para WLTI (women lesbian trans inter) sobre poliamor na Alemanha, o “Polygarchutopia”, que andou por vários festivais. Dei inúmeras oficinas sobre ciúmes para pessoas monogâmicas e não-monogâmicas. Dinamizei outro grupo de poliamor WLTI em Berlim. Escrevi em zines, como a das Pantera Rosa e a Krake. Dei entrevistas. E também apanhei algumas situações bem chatas e desagradáveis, dentro e fora do movimento, e afastei-me da parte política em consequência disso. Fiz realmente trinta por uma linha em termos de política e divulgação e entre-apoio, porque repito, é um modo de vida muito belo e com muitas possibilidades, mas que tem muitos desafios e dores e precisamos muito uns dos outros. Ao fim de 30 anos continuo ainda a ter desafios e situações novas, e espero continuar a ter.

Em 2021, todos nós tivémos muito tempo para pensar, enquanto ficámos em casa em confinamento. Para mim – tive sorte e privilégio nisso, mas também tenho trabalho próprio, porque tenho estado num processo de recuperação que me deu ferramentas para lidar bem com uma série de coisas – esse tempo foi como um “ano mirabillis”. Tive tempo para mudar algumas coisas na minha vida e pensar muito, muito, muito, e com isso mudar ainda mais coisas depois. Uma das coisas que observei é que há muitos temas que se repetem nas discussões sobre relações, românticas ou não, sexuais ou não, monogâmicas ou não, mas que tal como no poliamor, em que temos falta de modelos a seguir, e temos sempre de reinventar a roda para a nossa constelação, também nas relações longas, sejam elas de que tipo for, eu não tinha modelos a seguir ou a quem perguntar em caso de dúvidas. Até porque há perguntas que não se simplificam com o tempo, antes se tornam mais complexas, com mais componentes. Ou há perguntas com muitas respostas, mas nenhuma delas propriamente fácil ou agradável. O facto de se reflectir e analisar bem um problema não torna inevitavelmente as soluções disponíveis mais agradáveis. Ou como o factor tempo traz com ele o fatcor probabilidade: a probabilidade de doença mental ou física, deficiência, encarceramento, dependência de substâncias, lutos, pobreza, ou diferença de privilégio, mudança de bússola moral, mudança de interesse ou perspectiva acerca de sexualidade/s, envelhecimento e modo de lidar com ele, só para enumerar uns quantos exemplos. E há coisas para as quais se calhar precisamos de palavras novas, e que não vou tentar explanar aqui.

Conheço muitos poucos exemplos de relações longas (falemos de pelo menos uma década), e ainda menos de relações longas em constelações não monogâmicas.

Quando a Karada House me contactou para dar uma oficina, embora não fosse um tema propriamente fofinho, eu propus este porque era uma coisa que eu tinha aprofundado bastante. Não tenho problema com temas pouco fofinhos. Sinto que podia continuar, que há potencial neste tema, mas ainda não sei como prosseguir, talvez escreva uma zine, ou um workshop mais extenso. Ideias são bem-vindas.

Trabalhas o BDSM, e a prática Shibari como professora desde 2010. O que te tem motivado, e o que podemos aprender?

Como tudo o que faço, ou o que fez sair da cama e/ou me mantém viva, sou motivada por uma grande curiosidade em tentar tornar as coisas mais igualitárias, acessíveis e justas. Seja no pós-porno, seja no shibari como professora ou performer, seja com o meu trabalho artístico, político ou na minha vida pessoal, ou nos meus interesses especiais. Se não tenho curiosidade ou sinto que não há uma prática de justiça na coisa, perco muito rápidamente o interesse.

Há duas frases que gosto muito acerca do BDSM e shibari e que são validas para várias coisas. Uma é que são ferramentas que tornam a interacção erótica (uso aqui este termo porque é geral, mas com o disclaimer que é um guarda chiva para tudo o que é um jogo ou ligação, e pode inclusivamente incluir experiência assexual, a-romântica etc.) maior. No sentido de que aumenta o alcance de coisas possíveis, ou aumenta a intensidade de coisas que já eram possíveis sem essa ferramenta. Penso que é auto-explicativo porque é que isso pode ser bom. A outra frase é menos óbvia. São ferramentas que tornam a interacção erótica mais pequena. Porque é que isso pode ser bom? Porque por vezes há dias, ou há pessoas, em que não cabe nem tem de caber uma grande intensidade, ou queremos concentrarmo-nos num detalhe, numa sensação de cada vez, ou queremos regular quanto contacto, quanta intensidade e com que ritmo damos ou recebemos (posso querer interagir com esta pessoa mas posso não querer grande intimidade, etc.). Há dias em que estamos tristes ou cansades, e queremos apesar disso ligar com alguém e nós próprios, mas sem ser arrebatados nem ficar arrumados no fim.

Finalmente gosto de ver como outras pessoas, nos espaços que eu crio ou ajudo a criar, fazem descobertas semelhantes, ver a alegria, a segurança, a ternura, que as pessoas sentem, e ver como não só aprendem acerca desta ou aquela técnica mas acerca de comunicação, limites a si próprios. Ver como pessoas se encontram, uns aos outros e a si próprios, muitas vezes. Ver como aprendem, como usam o espaço. Ou como frequentemente se vê pessoas em vários processos de recuperação a ter o BDSM como um adjuvante ou catalisador para isso. E ao ensinar, tenho de aprender constantemente, acerca de shibari e acerca de espaços seguros e acerca de ensinar. Tudo isso é muito recompensador.

Já falei muito de segurança e inclusão. Acho que um dia posso-me reformar disto quando isso for a regra nos eventos de shibari. Vai havendo mais e isso deixa-me contente. Mas ainda não é a regra. Pelo sonho vamos.

Fizeste uma oficina sobre Sex-positive institute Warsaw || Warsaw, online || onde falaste sobre tua jornada into ropes, sex-positivity, BDSM, polyamorye e queer porn. O que é que significam para a tua vida e como activista e educadora?

Essa oficina foi dada após o festival de cinema pós-porno de Varsóvia, que colabora com o Sex-positive institute. É inevitável a comparação entre a Polónia e Portugal, países em que a religião católica influencia muito (de maneira visível e invisível, de maneira consciente e inconsciente) a sociedade, e toda a rejeição da sexualidade e/ou afectos (uso a palavra sexualidade como guarda chuva para designar corporalidades e afectos, mesmo para coisas que não sejam necessariamente sexo), de tudo o que celebre o corpo, do espírito crítico, ou da celebração ou exercício da liberdade. Ao contrário de Portugal, a Polónia conseguiu não só ter um festival pós-porno mas tê-lo num dos cinemas históricos mais prestigiados da capital, ao longo de quase uma semana e distribuído por quatro salas de projecção. Ou seja, comentando sobre esse workshop e seu contexto mais o que referiste sobre a minha jornada sobre tudo e mais alguma coisa, começo por dizer que tenho muita alegria pelos polacos e pelos meus amigos Zwirek e Aga que organizam o festival mas também tristeza e inveja. Mesmo não vivendo em Portugal, gostava de ver as coisas acontecerem em Portugal por iniciativa própria e não acontecerem como acontecem, em que as ideias novas são desenvolvidas e experimentadas “no estrangeiro” e só depois de testadas e mastigadas chegam a Portugal com 5 a 7 anos de atraso e bastante diluídas. Ainda quero ver o #metoo a arrancar decentemente em Portugal. Há ainda muito medo e hesitação, e dinâmicas de poder que neutralizam as pessoas ou as convencem disso. Temos festivais pós-porno em Berlim, Atenas, Viena, São Paulo, Santiago de Chile, Bruxelas e muitos mais, há anos. Portugal terá um, sem dúvida, quando o pós-porno for mainstream e lucrativo e já não houver qualquer risco associado, e vai provavelmente ser patrocinado pelas companhias mais importantes.

Repara: quando se fala de espaços sex-positive não é acerca de o tema sexo passar a estar por todo o lado. É acerca de poder simplesmente existir nalguns espaços. E é preciso lembrar que dentro do sex-positive estão temas – que vão com a coragem da censura e auto-censura – como assistência sexual a deficiências, discussão de terapias hormonais de afirmação de género ou outras, toda a educação sexual de jovens e adultos, toda a educação sobre consentimento, só para dar alguns exemplos. Tudo isto precisa de espaços sex-positive para existir e evoluir.

Todas as coisas da minha jornada, as cordas, o poliamor, o BDSM, o sex-positive, o pós-porno, envolvi-me nos sítios em que vivi (na Alemanha) e tentei sempre trazer para Portugal, na forma de workshops, munches ou eventos, e foi sempre muito difícil encontrar adesão ou mesmo espaços para os receber. Fun fact, o ano passado tentei com uma amiga começar a pavimentar o chão para organizar um mini-festival pós-porno em Portugal mas esbarrámos com a habitual dificuldade em arranjar uma sala que alojasse o evento. Fica aqui o desafio para quem quiser, pois eu acho que larguei a bola desta vez.

Voltando à oficina, na verdade falei da maior parte das coisas que mencionei nesta entrevista. Que havendo consentimento explicito muita coisa é possível, não só em termos de BDSM e/ou sexualidade, mas noutras ferramentas e métodos, por exemplo de desenvolvimento pessoal, terapêutico, recuperações, etc. Ou que estas práticas sex-positive, o BDSM, o Tantra, a bondage, geralmente associadas à classe média/alta e a certas idades, tipos de corpo, neuro-tipos, etc. podem e devem ser acessíveis a toda a gente. Ou o que significa o privilégio e termos noção dele, e tornar espaços e eventos mais acessíveis, justos e com isso mais ricos e interessantes. Essa oficina foi feita por zoom com a participação de pessoas de várias partes do Mundo, pois o Sex-positive Insitute de Varsóvia tem bastante alcance, e isso permitiu-me aprender muitíssimo com pessoas com perspectivas fora dos contextos maioritariamente ocidental/branco/europeu em que vivo.

Temos obrigação de aprender constantemente, principalmente como educadores, e ainda mais como educadores na área da sexualidade e/ou com uma motivação feminista/ética, inclusivamente e principalmente pelas principalmente pelas vozes que não são parecidas com as nossas, e que não têm a mesma perspectiva ou tem menos privilégio.

Ann Antidote www.strangesavagelives.net https://linktr.ee/annantidote

Obrigado pelo teu tempo, votos de bom trabalho.

Vamos Falar de Sexualidade

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: João Aristides Duarte

05 De Fevereiro De 2023

O Projecto Vamos Falar de Sexualidade

É um projecto que visa promover pessoas especializadas nas mais diversas áreas da sexualidade. E poder retirar dúvidas através das respostas de todos vós que me seguem.

E este projecto requer tempo, atenção, investigação, e é onde dedico o meu tempo, para que todos possamos aprender e possa promover mais a sexualidade. Por isso gostaria que me pudessem ajudar. Se pudessem deixar um euro ou o que quisessem, ficaria muito grato.

Basta aceder ao seguinte endereço paypal.me/VidasEObras

Obrigado.

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